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Texto: Tatiana Gerasimenko
“Terra! Terra à vista! Imponente, mas linda – mil vezes – do que qualquer foto que já havia visto da ilha”. Esta frase, escrita por Amyr Klink em seu livro Mar Sem Fim – que relata sua volta ao mundo circunavegando a Antártica – parece ter sido mais do que tudo um desabafo. Porque a paisagem da Geórgia do Sul impressiona.
Talvez tenha sido a mesma sensação do primeiro a topar com a ilha: o mercador londrino Antoine de La Roche que, arrastado para a região durante uma tempestade no Cabo Horn, achou abrigo nas isoladas terras da Geórgia, em 1675. Pouca cerimônia para uma fantástica descoberta.
Em 1775 o capitão James Cook formalizou a posse do lugar para o seu país – Grã-Bretanha -, quando empreendeu uma expedição a bordo da nau capitânia Resolution. Pensou ter encontrado o último continente existente, mas logo desanimou. Apesar de tudo, seus relatos sobre a população de animais marinhos chamaram a atenção dos caçadores – uma vez que a descoberta coincidia justamente com o esgotamento das baleias no Atlântico Norte.
Avanços tecnológicos permitiram que Carl Larsen realizasse em 1904 o segundo empreendimento destrutivo – a indústria de pesca de baleias. A partir de então, a ilha ficou fadada à caça indiscriminada que, até 1965, chegou a abater cerca de 180 mil animais.
Atualmente a ilha tem a proteção de órgãos responsáveis pela conservação da vida marinha, de acordo com o Tratado Antártico. As pescas são controladas para manter o equilíbrio de espécies e minimizar o impacto sobre os animais que correm perigo de serem extintos.
Apesar do controle, turistas que geralmente passam por ela a caminho da Antártida podem trazer efeitos ainda desconhecidos. No verão austral de 2001 e 2002, por exemplo, um grande número de pessoas visitou a ilha, mas não há conhecimento aprofundado de seu impacto sobre a vida selvagem.
Embora seja um dos lugares mais isolados do planeta, há quem resista ao frio cortante – e permaneça por mais de um ano. Uma minúscula vila chamada King Edward abriga cerca de 20 pessoas, que estão, ou a serviço do governo britânico, ou a procura de uma vida realmente diferente.
O acesso à ilha, entretanto, só é possível de barco – a partir de Ushuaia, Argentina. Não há acomodações em terra para os contemporâneos forasteiros, que devem permanecer ancorados nas geladas águas que contornam a solitária Geórgia do Sul.
“A sensação de estar tão longe de casa aumenta quando você olha no mapa e vê a localização da ilha”, conta Marcos Hurodovich – que esteve na ilha ao lado do navegador Amyr Klink. “Por um segundo você pára e lembra que está ali tão distante, num pontinho de terra no meio do globo”, completa.
Embora marcada por histórias heróicas, como a do irlandês Ernest Shackleton – que em uma expedição feita entre 1914 e 1916 passou por grandes provações ao ter seu navio esmagado pelo Mar de Weddell, próximo a Antártida -, e constantes expedições de caça, a Geórgia é hoje uma ilha esquecida.
O clima severo, mesclando gelo e ventanias, combina com os resquícios deixados pelo homem, formando uma paisagem insólita. Ruínas de nove estações baleeiras, entre elas Leith Harbour e Grytiviken, confirmam que a ilha subjuga a maioria que ouse permanecer nela.
De uma hora para a outra, contudo, o céu nublado e o clima impetuoso dá lugar ao calor dos raios solares. As montanhas refletem cada detalhe da paisagem. Aves marinhas sobrevoam as águas a procura do melhor local para construírem seus ninhos, enquanto outros animais insistem em demonstrar que apenas a vida selvagem é bem-vinda na ilha.
São 3592 quilômetros quadrados de contrastes. Nas poucas praias, a areia escura e misturada com pedras junta-se às águas onde as focas brincam. Picos muito altos, como o Monte Paget na Serra Allardyce, ultrapassam dois mil metros de altura e localizam-se, principalmente, na parte sudeste.
O interior é marcado por paisagens áridas e, em locais onde o mar já avançou uma vez, icebergs se encontram sobre a terra e fazem companhia para os pingüins macaroni. É certo que as marés das baías fechadas têm uma variação média de um metro, apenas. Mas as ressacas podem vir com força, e arrastar a água gelada até 100 metros para o interior da ilha.
A Geórgia do Sul é um arquipélago que se encontra a 1280 quilômetros a sudeste das Ilhas Malvinas. São basicamente 160 quilômetros de comprimento por 32 de largura, banhados ao sul pelo Mar de Scott.
O relevo do fundo do mar é formado por uma íngreme cadeia submarina que dá continuidade à Plataforma da Patagônia, até a Península Antártica – quebrada por inúmeras fissuras que têm responsabilidade direta no clima. Um arco desta plataforma se levanta da superfície do mar justamente nos Rochedos Shag, na Geórgia.
O gelo no mar cobre uma larga porção do Oceano Antártico durante a maior parte do ano. Durante o inverno este gelo se espalha mais ainda, de forma que o norte da ilha também pode ser coberto pelas paisagens brancas típicas do sul.
“A ilha é única no mundo, com cenários espetaculares – um misto de Alpes Suíços com águas cristalinas do Caribe, rodeada por icebergs e muitos animais”, afirma Marcos Hurodovich, que esteve na ilha no Paratii 2, junto com Amyr Klink.
Algumas baías da Geórgia do Sul ficam totalmente congeladas, mas logo a fina camada que cobre as águas se quebra com as tempestades. Na primavera, o gelo que cobre as montanhas pode sucumbir ao desmoronamento – explicando, talvez, a formação de geleiras tanto no interior, com ao redor da ilha. Os maiores icebergues, contudo, são pedaços de plataformas de gelo da Antártica Continental.
Para Marcos, o que mais chamou atenção foi o contraste do verde da grama e vegetação rasteira junto ao gelo. E, claro, os animais. “Mas a quantidade de sucata e material industrial deixado por lá me fez refletir como o ser humano tem o poder de criação e também o de destruição”, completa.
Seria estranho pensar que o frio e o isolamento não restringem nenhum fator natural na Geórgia. Se é certo pensar que o encontro das águas continentais com as da zona antártica dinamizam o ecossistema marinho da Geórgia, também é certo que a vida vegetal é limitada por este mesmo fator.
De fato, a vegetação na ilha é pouco diversificada – tanto em termos de espécies como em tipos de comunidade. A flora nativa, restrita a 25 espécies de plantas vasculares, é bem parecida com a das Malvinas, com a Terra do Fogo e a Patagônia do Sul.
Algumas plantas de maior porte foram introduzidas pelos homens (assim como no caso dos ratos e renas) e cerca de 25 de 70 registradas conseguiram se adaptar. Propagaram-se no meio ambiente e algumas vezes ao redor das estações de pesca de baleias.
Algas verdes, marrons e vermelhas compõem o litoral rochoso e protegido da costa noroeste. Nas águas rasas, algas gigantes – que se estendem por até 40 metros de comprimento ao longo do litoral, constituindo um importante habitat para peixes jovens e invertebrados marinhos. Ao todo, 103 espécies registradas. Além delas, os chamados “tussocks”, servindo de ninho para os albatrozes.
Quando o gelo que circunda a ilha derrete, algas microscópicas e plânctons florescem, sustentando toda a cadeia alimentar. Na face sul, onde a superfície da água pode chegar a três graus negativos, a vida marinha é muito rica devido aos grandes volumes de oxigênio e nutrientes.
O que se conclui disso é que ambos os ecossistemas – os marinhos e os terrestres – são dependentes, e se entrelaçam intimamente para constituir abrigo aos animais de grande porte.
O consumidor mais importante dos fitoplânctons é o krill, uma espécie de camarão que alimenta vários animais marinhos. Os peixes, as baleias, as focas e aves são alguns exemplos destes predadores.
Concentrações elevadas de krill são constantemente fechadas por bancos de areia. Na Geórgia do sul isso acontece quando as águas do fundo do mar, ricas em nutrientes, conseguem subir para a superfície.
Com a matança de mais de um milhão de baleias, equivalente ao consumo de cerca de 70 milhões de toneladas de krills, outros predadores passaram a comer mais e se desenvolver mais rápido do que o natural. O impacto foi ainda maior na população de focas, espécie de rápido crescimento. Milhões delas se espalham pelas praias.
Na Baía de St. Andrews, no nordeste da ilha, uma imagem impressionante: a maior colônia de pingüins reais, com 600 mil deles espalhados entre as encostas das montanhas. São altos e elegantes, com o torso composto de penas amarelas.
Somente a visita de um navegador solitário poderia compor um cenário perfeito com esta ilha esquecida na Antártica. Alguém “livre por natureza” – como Juca Kfouri denominou Amyr Klink no verbete do livro “Paratii entre dois pólos”, escrito pelo velejador.
O desejo de visitar a Geórgia já devia ser um sentimento antigo em Amyr, que desde criança lia relatos e relatos sobre navegadores e suas grandes descobertas.
Em 1998 o brasileiro, a bordo do veleiro Paratii, percorre o Atlântico em direção à ilha, após uma longa reflexão sobre qual seria o melhor ponto de partida para a circunavegação da Antártica pela faixa de latitude entre 50º e 65º S.
Amyr se encantou pelo local ao folhear o livro “Antartic Oasis”, escrito por Tim e Pauline, casal que, após navegar muitos mares no veleiro Curlew, apaixonou-se pela Geórgia.
Ancorado na Ilha da Geórgia do Sul
“Marina, ancorei na Geórgia do Sul! É um lugar que não está no planeta. São montanhas muito altas e muitas geleiras”, disse Amyr – por rádio – à esposa. “É uma estação baleeira com umas cinqüenta casas do início do século, abandonadas. Tem muitos leões-marinhos no lugar. Aqui é maravilhoso”, completou.
Chegando na ilha, foi primeiramente recepcionado pela maior população de albatrozes-errantes do planeta. Como se não bastasse o espetáculo, outra surpresa: o casal de autores do livro que indiretamente o conduziram para lá, permaneciam no arquipélago como bons anfitriões.
“Vejo o Paratii ancorado junto a três baleeiros abandonados, atingidos durantes a guerra”, diz Amyr para a esposa, Marina – por rádio. “Que lugar sinistro! A temperatura varia entre dois e três graus centígrados. A água está bastante clara”, completa.
Mais do que ser uma ilha interessante, com suas casas de telhados vermelhos e ruínas de estações baleeiras, aquela terra despertava no navegador algo maior. A idéia de que ali seria o ponto em que completaria o seu maior desejo: contornar a Terra. Estava encantado com o fato de que, partindo para o leste, chegaria ao mesmo lugar.
Mesmo impressionado com a beleza da vida selvagem, Amyr parte para o mar novamente, sem despedir-se. Uma forma de afirmar que em breve estaria pisando nas terras da Geórgia do Sul novamente.